19 de agosto de 2014

Meu sertão.


Nasce mais uma manhã no meu belo e triste sertão. Belo, porque se olho pela janela, vejo a liberdade passeando por entre as árvores, as poucas que a seca não destruiu, as velhas algarobas que dão sombra no terreiro. Vejo meus filhos brincando na terra firme, sem medo algum. Mas, é tudo muito triste, vejo o céu azul de doer nos olhos, nenhuma nuvem desfila no infinito, é a chuva que não vem. Como dói essa seca.

Meu nome é João, sou um guerreiro, pois mesmo com tantas dificuldades não arredo o pé do meu sertão. Aqui nasci e me criei, conheci a bela Maria e com ela me casei, da nossa união nasceram Maria Flor, Maria Clara, Maria Helena, e o meu primogênito Antônio Carlos, meu Toninho que me ajuda na roça.  Apesar de tudo minha maior felicidade é vestir meu gibão e minha bota de couro, montar no meu cavalo e sair cortando estradas.

Aqui no Rancho Paraíso, o sol nasce mais cedo, e acordamos quando as estrelas ainda desfilam timidamente no céu. A vida não é fácil, deixo minha esposa e minhas filhas, e vou com o Toninho para a plantação, mas meus olhos trasbordam feito um rio de lágrimas, ao ver os pés de feijão, arroz, milho, batata, tomate... Morrerem aos poucos. Retornamos para casa e encontro minha família lamentando a triste seca. Minha esposa pensa em nos mudarmos para são Paulo, afinal tantos nordestinos toma esse rumo, e alguns se dão bem.

Fico minutos, talvez horas pensando nessa decisão. Como posso deixar minhas raízes, meu pequeno chão, lá é um mundão muito grande, mas também muito vazio, não tem a simplicidade do meu lar. Então decido esperar mais algum tempo e quem sabe a chuva possa chegar.
Chega o mês de abril e nenhuma gota molhou o chão. Minha esposa cozinha no fogão à lenha um pouco de comida que nos resta, enquanto o radinho de pilha sobre a banca de madeira toca luar do Sertão. Ela olha com o olhar triste e fala:

- Tá vendo, João! Nada de chuva! O que vamos fazer? O que temos está acabando!

- Calma minha Maria, é preciso ter fé, vamos vender duas vaquinhas e ficarmos com uma, para o leite da pequena Maria flor. E assim vamos esperar até o mês seguinte. Pois penso que não sobrevivo à vida na cidade grande, sem meu velho lampião, mesmo com energia, sem o cantar do calo no terreiro e os pássaros no velho telhado.  Não vivo sem minhas estradas de terras claras, e as porteiras dando passagem pro meu Paraíso. O que faria sem a comida feita no fogo a lenha? Sem sonhos? Sem liberdade?

Os dias passam, e a esperança morre aos poucos. Infelizmente, os rios, açúdes e barragens já secaram. Minha esposa começa arrumar as malas, e eu disfarço meu olhar repleto de lágrimas. O dia está claro, Mas aqui dentro tudo é triste, tudo é saudade. Penso como está vazio o meu sertão. As flores já dizem adeus, o vento leva as folhas secas, a terra quente não queima mais que o meu coração. Aqui morrem meus sonhos, e levo só a saudade.

Ao cair da noite, penso que jamais encontrarei um luar e um tapete de estrelas tão belo quanto esse. Mas, aos poucos me despeço de tudo, pois na manhã seguinte é hora de dizer adeus. É hora de o sertanejo deixar de sonhar. Essa com certeza será o começo de uma nova vida, mas bem menos radiante do que a que vivi durante meus quarenta e cinco anos. É melhor dormir e deixar que a noite leve as dores embora.

Quando a esperança já havia partido, acordo e ouço pingos fortes no telhado, logo acordo minha amada e meus filhos, para ter certeza que não é sonho. A noite ainda está escura, abro a janela e uma rajada de vento sopra no meu rosto, o cheiro de terra molhada invade a casa inteira, a goteira pinga forte, afundando o barro firme que a seca assim o transformou. Então percebo que não é ilusão, é realidade e a passarada já faz festa nas arvores. É chuva forte caindo no sertão.

Minutos depois, eu e minha família saímos no meio da chuvarada, na lama, na noite fria. No entanto, logo o dia chega, dando lugar a uma bela e inesquecível manhã de céu coberto de nuvens. Isso é benção de Deus. As roupas retornaram para o armário, não haverá mais despedidas, não iremos mais partir, pois o inverno chegou, e a tristeza já seguiu estrada a fora. Agora é hora de plantar novos sonhos. Valeu a pena esperar mais um pouco, pois o sertanejo precisa acreditar sempre em dias melhores. Aprendemos a lutar, não desistir e sonhar. Pois, como dizia o poeta “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.

  Luzia Medeiros 


10 comentários:

  1. Oi Linda! Que história triste .Mas esta é a relidade dos nossos sertanejos., que vivem de esperanças.Beijos

    ResponderExcluir
  2. Oi Amiga, a estória é muito triste e nem sempre tem esse final
    O sertanejo se sai do sertão vai fazer o que na cidade grande?
    Obrigada pelo carinho
    Beijos
    Lua Singular

    ResponderExcluir
  3. Que delícia de texto! Me lembrou um pouco Monteiro Lobato!

    ResponderExcluir
  4. Oi querida, que linda história!!
    Senti muita falta daqui ♥
    Beijos e tenha uma ótima semana!!

    ResponderExcluir
  5. Muito bom!
    Nunca podemos perder a esperança, porque um dia a bênção sempre vem!

    Beijos,
    http://mylife-rapha.blogspot.com

    ResponderExcluir
  6. Um dia a chuva passa, e vem um lindo sol. A gente tem que acreditar!
    Saudades Luh, que Deus te guie e te abençoe. ♥

    Luh na caixa de fã, o código em cima deu erro, tira ela, na coluna do blog.
    Um beijo amiga.
    ♥ http://pamellaferracini.blogspot.com.br ♥

    ResponderExcluir
  7. Oi, Luzia, como vai? Desejo que seu Natal seja maravilhoso e 2015, inesquecível! Um abraço!

    ResponderExcluir
  8. Que beleza! Capturar a delicadeza da chuva no Sertão é algo encantador... Encantada estou!

    ResponderExcluir
  9. Querida amiga

    Há quanto tempo...

    Além de recolher a inspiração
    deste maravilhoso espaço
    de sentimentos e reatar a amizade,
    aproveito a visita para convidá-la
    a partilhar a alegria,
    de ouvir um poema de minha autoria
    musicado em Minas Gerais.

    O mesmo se encontra no meu blog
    www.sonhosdeumprofessor.blogspot.com.br

    e para mim,
    ter este poema
    escutado por pessoas
    que fazem do mundo virtual,
    um mundo melhor,
    será um tributo a felicidade.

    ResponderExcluir
  10. Lindo lindo lindo!
    Ah seca é terrível, mas quando vem a chuva...
    Adorei como escreveste.

    beijos
    e ah, venha comemorar o aniversário do My life
    http://mylife-rapha.blogspot.com.br/2015/03/aniversario.html

    Boa semana!

    ResponderExcluir

Espresse aqui o que você achou das minhas palavras. Espalhem um pouco do seu carinho.